A Soberba – o pecado mais “complicado”

Consultando os artigos e documentos disponíveis para dar início à nossa série de artigos sobre os 9 Pecados Capitais, chegamos a que a soberba seria a raiz de todos os pecados, resultado da reflexão de pensadores ligados à igreja católica, principalmente. E não podemos deixar de concordar, pelo menos quanto à sua relevância, pois seus sinônimos – orgulho, arrogância, … – nos levam a pensar na personalidade narcisista. Pelo DSM 5, algumas das características associadas ao transtorno de personalidade narcisista falam de sentir-se especial, central, único, merecedor de tratamento especial e que se revela explorador e aproveitador nas relações, não sem uma abordagem sedutora e envolvente em relação às pessoas do seu círculo de interesse ocasionando quadros em que o narcisismo ocasiona depressão e ansiedade com frequência assustadora. Por essa razão é que se torna um quadro complicado na visão psicanalítica, pois são pessoas que se põem no mundo como muito capazes, “plenas” e em posição de mestria, geralmente. Que falta, que questão, que problemas teriam, portanto? Mesmo sendo vetores de sofrimento às pessoas de seu relacionamento, não há problema ou sofrimento, pois a responsabilidade e a culpa é sempre dos outros, não importando o quão erradas, aéticas ou imorais estejam suas ações ou opiniões.
É nesse espectro que se encontra a “síndrome de CEO”, a descrição de um quadro infelizmente comum nos altos estratos da hierarquia de grandes empresas. São líderes que se fazem pela impetuosidade, não reconhecimento de limites e, por isso, mesmo, tidos como muito capazes ou competentes – ledo engano, na medida em que suas atitudes tóxicas costumam gerar dependência e tendem a formar um cenário fantasioso que se desconstrói com o tempo.
A personalidade narcísica gera uma espécie de fascínio em um grande número de pessoas que projetam no seu não reconhecimento de limites (negação da castração) as suas próprias esperanças de potência ilimitada ou redução dos riscos inerentes à existência. São pastores, políticos, coaches, empresários visionários, … , ocupam às vezes postos notáveis e de destaque em que se depositam esperanças – e ilusões – de que suas ideias e princípios resolveriam problemas pessoais ou empresariais. Em resumo, um dinâmica regredida em que, de um lado, temos um líder-pai não castrado e de outro um acólito-filho subserviente e esperançoso (iludido) quanto à diminuição ou eliminação das incertezas da vida – afinal, o narcísico transpira certezas e um otimismo quase surreal.
Mas nem só em postos notáveis encontram-se os narcísicos. O terrivelmente popular “Você sabe com quem está falando?” vociferado por vezes nas filas de atendimento quando um narcísico é confrontado com um pequeno revés ou frustração indica imediatamente a soberba: eu sou diferente, superior; você não pode me tratar como um igual. Identificam-se ideal e fantasiosamente com pessoas bem sucedidas, conforme seus critérios, e chega a desprezar aqueles que não correspondem a esses perfis ideias que considera “seus iguais” – mesmo estando concretamente distante financeira ou socialmente desses “iguais”.
Em família, apresentam-se como explosivos, nervosos ou de “gênio forte”. Em geral, acabam promovendo discussões e brigas por fatos do dia-a-dia, pois têm que estar certos e reagem energicamente – quando não violentamente – quando contrariados. Por terem uma dinâmica sedutora e apresentarem-se muito seguros de si, acabam, não raro, pulando de relacionamento em relacionamento, provocando sofrimento e requerendo concessões frequentes para que sejam minimamente tolerados.
Mais uma vez, reforçamos: em nossa análise do narcisismo e suas relações com a ansiedade e a depressão, a soberba aparece como vetor de grande sofrimento à sua volta e a indicação de terapia psicanalítica acaba sendo mais frequente para as pessoas do seu entorno, para que possam se “descolar” dos fenômenos de idealização e cobranças a fim de garantir a sua independência e integridade psíquica a longo prazo.

Um comentário

  1. Juliano Barreto

    Excelente artigo! Queria questionar se o Narcísico, quando não consegue através da empáfia que lhe é natural, em último caso, também tenta atrair a atenção pelo vitimismo? Porque ter o controle das atenções e a falta de empatia seriam alicerces desse transtorno de personalidade, certo? Abraço.

    1. Glauco Machado

      Oi, Juliano
      Confesso que nunca pensei por esse viés, pois o vitimismo estaria mais ligado a um perfil histérico, a princípio. Penso que a personalidade narcísica seria mais impositiva, mesmo. O básico é a incapacidade de se questionar ou de estar errado; avançar para controle de atenções seria uma espécie de “plus”.
      Abç!

  2. Lena

    Amei o texto. Reconheço nessa descrição muitas pessoas que conheço. Parabéns pela construção e organização do pensamento de forma competente e ao mesmo tempo, com muita clareza.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *