“Eu quero o divórcio!” – o relacionamento de casal na pandemia

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Talvez esta expressão tenha sido usada mais vezes durante a pandemia do que a média dos anos anteriores quando se trata de relacionamento de casal. E se não foi usada, talvez também tenha ficado presa um pouco antes da garganta, na altura do peito, no seu caminho até o mundo concreto. E lá, presa, está consumindo energia para que não saia mas também não se transforme em algo diferente e tóxico, que contribui para o eventual adoecimento do(a) seu(sua) hospedeiro(a). O convívio a dois no relacionamento de casal, mais intenso e frequente do que em períodos anteriores, fez emergir afetos que eram administrados com o benefício dos intervalos: algo no outro me incomoda, mas é só às vezes; entre uma e outra vez passam-se alguns dias e o afeto é atenuado, perdoado, irrelevado. É como no exercício físico mais intenso: eu intensifico a atividade em um dia e no outro estou dolorido; preciso de 2 ou 3 dias para que as pequenas  inflamações resultantes do desgaste físico cicatrizem. Se volto a me exercitar intensamente, agravo as inflamações e posso ter um problema mais sério – um rompimento de fibras musculares ou outras lesões, eventualmente. Se eu me submeto ao desgaste emocional e não falo sobre isso, o desgaste prossegue silencioso cobrando o seu preço e exigindo um investimento de energia que muitas vezes é perceptível mais para quem convive conosco do que para nós mesmos. “O que você tem? Você tá diferente…” e a resposta mais comum é “Nada”. Cá entre nós, é “Nada” porque as palavras ainda não foram encontradas para expressar e dar vazão ao que se sente. Afinal, o que se sente é intenso e vai exigir que alguma coisa mude, que algo diferente até mesmo de um ideal projetado “a dois” seja construído. O que afeta – uma conduta, uma opinião, uma frase, um juízo de valor, um ato – incide diretamente na estabilidade do sujeito e é interpretado como uma ameaça constante ou como uma desilusão tamanha que torna a convivência inviável. relacionamento de casal Essa situação é tão comum que se diz que aproximadamente apenas a metade dos relacionamentos em que as pessoas declaram desejo de sustentá-los por uma vida, de fato se sustentam – e não sem grande investimento de parte a parte. Para a outra metade, em algum momento proferiu-se a frase título deste ensaio: “Eu quero o divórcio”, ou uma de suas possíveis formas alternativas. Declara-se assim o fim de um contrato, o encerramento de uma série de expectativas que são caríssimas às pessoas e que exigem arranjos muitas vezes complexos para que as vidas se acomodem em novos cenários e com conclusões variadíssimas, desde “foi o melhor para nós dois” até “faria tudo para voltarmos”. De qualquer forma, falar sobre isso em análise ainda é o caminho que parece levar a descobertas e conclusões que colocam o sujeito em posições diferentes e que permitem estabelecer novas perspectivas em relação aos relacionamentos – pleonasmo acidental mas necessário, neste caso. [Glauco Machado]

Um comentário

  1. Airton José pires

    Belas palavras…
    Perfeita colocação…

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