O egoísmo: não seria também um “pecado”?

Egoísmo vs Empatia

Entramos em terreno novo, pois elegemos um 8º “pecado” capital, o egoísmo, sobre o qual refletir nesta série de artigos.

Por quê?

Porque, a despeito de todas as formas possíveis de contato e troca concreta entre as pessoas, nossa sociedade parece se tornar cada vez mais reclusa e constituída por sujeitos autocentrados. Busca-se contato não com o próximo, mas com o semelhante, pois o contato com o próximo vai expor as diferenças e fazer aflorarem os afetos que bem conhecemos entre vizinhos, parentes, colegas de trabalho, etc. Já o semelhante está geral e confortavelmente situado no outro lado de uma tela de celular ou computador, ao alcance de um “like”, não é mesmo?

Mas partamos de uma ideia básica: somos todos mais ou menos egoístas. E isso não é mal, em essência ou a priori, pois é necessário uma dose de egoísmo que nos preserva e nos permite posicionarmo-nos nos grupos sociais. Então, talvez, a questão passe a ser não o egoísmo, mas, sim, a capacidade de empatia; algo como um raio de abrangência que para alguns não passa de si mesmo; em outros abrange seus familiares mais próximos; em outros vai até um grupo de amigos ou correligionários e em outros, ainda, alcança uma amplitude que inclui, finalmente, o próximo, com as suas diferenças, idiossincrasias e até antagonismos. É essa capacidade de empatia que viabiliza a coletividade e que nos fez questionar o estatuto da escravidão, por exemplo. Mas, note-se, esse questionamento ocorreu apenas a partir do séc XVIII ( ! ), considerando a cultura dita ocidental. Insistimos, portanto, na oposição entre os termos “semelhante” e “próximo”. A história mostra com que facilidade pode-se negar o status de humanidade ao próximo a partir de ideais – sejam eles quais forem. Um exemplo nos é trazido por Slavoj Zizek (Violência – 2014, p. 46):

Durante os primeiros anos da Revolução Iraniana, Khomeini mobilizou esse paradoxo quando afirmou em uma entrevista concedida à imprensa ocidental que a Revolução Iraniana era a mais humana de toda a história: os revolucionários não tinham liquidado uma única pessoa. Quando o jornalista, surpreendido, o interrogou sobre as execuções capitais noticiadas pelos meios de comunicação, Khomeini replicou tranquilamente: “Esses que foram mortos não eram homens, mas cães criminosos!”

Ou seja, pela via do egoísmo ou do identitarismo uma sociedade pode facilmente eleger alguns próximos como não tão semelhantes e, pela via do medo paranoico sustentado em fantasias cuidadosamente construídas, legitimar a sectarização e a violência. Sim, estamos falando de racismo, aporofobia, transfobia, homofobia, xenofobia… em resumo as discriminações e preconceitos em geral – todas manifestações (anti)sociais concretas germinadas a partir do egoísmo.

Pensando um pouco na origem possível dessa posição em relação a si e ao próximo, temos que a criança pequena é impositiva em relação à atenção do outro, pois sua dependência em relação ao outro é praticamente total. Então seu egoísmo é algo que a protege, ou seja, ela não escolhe hora ou momento para manifestar suas necessidades e com o passar do tempo, o avançar da idade, os próprios adultos ao seu lado vão medindo a capacidade de limites que ela pode suportar. E com esse movimento vamos encaminhando a criança para a independência e autonomia. Mas e se esses limites não são colocados? A resposta é conhecida, a criança acha que tudo gira ao seu redor e não consegue suportar o não, o revés, a frustração, enfim. Estamos, então, apresentando para esse sujeito uma forma de viver que está associada à satisfação de suas necessidades em primeiro lugar e vemos depois essas necessidade se transformarem em caprichos “inegociáveis”.

Como em todos os outros “pecados” que vimos analisando, este é mais um desafio, pois socialmente estamos acostumados a ouvir sobre o sucesso pessoal, produtos para você ser mais feliz, planos para a sua família o que reforça e torna legítima a manutenção da gigantesca coletividade de completos estranhos habitando a poucos metros uns dos outros.

Portanto, fica a reflexão final: talvez para alastrar um pouco o raio de empatia nestes nossos tempos essencialmente egoístas, psicanálise.

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Um comentário

  1. TERESA

    Excelente texto, mostra o que estamos vivenciando atualmente, egoísmo, preconceito, racismo, violência, falta de empatia. Parabéns Glauco, muito obrigada em compartilhar-me. Abraço

  2. Fausto dos Santos Amaral Filho

    Oi, Glauco. Li o seu texto. Muito bem ponderado. Ponderar é uma bela virtude do pensamento. Um grande abraço!

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