O ciúme: por que nunca foi considerado um pecado capital?

Ciúme e violência

Este é o nosso 9° “pecado” sobre o qual montamos uma reflexão e com ele fechamos nossa série sobre os 9 Pecados Capitais. Apesar de não estar entre os 7 classicamente levantados pela tradição religiosa, ele foi incluído nesta série, assim como o egoísmo, devido à sua extrema relevância na história e na atualidade e também por se apresentar como queixa recorrente nos consultórios de psicanalistas, psicólogos e terapeutas.

O ciumento é uma pessoa frágil, que perde facilmente a perspectiva de causar o desejo do outro e imaginariamente “vê” um terceiro na relação como uma ameaça frequente – ou constante  – que causaria a perda de seu objeto amoroso, ou talvez melhor: a perda da sua posição de objeto para o outro.

Podemos listar três tipos de ciúmes que foram descritos por Freud (1922 – Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e na homossexualidade), o concorrencial, o projetivo e o delirante.

O concorrencial é uma variação da inveja. É um afeto que nos mostra que não somos o centro do universo e está ligado ao momento da infância onde nasce um irmãozinho ou quando eu percebo que não sou tudo para meus pais.

O ciúme projetivo é quando desconfio que o outro esteja me traindo e pode me deixar a qualquer momento. A projeção é um mecanismo de defesa onde eu não consigo lidar com o afeto que é meu e, então, eu coloco isso no outro. O outro é que irá me trair e eu utilizo isso como uma defesa para o meu desejo mal resolvido que eu coloco no outro. 

O ciúme delirante também é projetivo, mas com um aspecto importante a mais: ele é “tóxico” e está baseado na convicção, na certeza de que a traição está acontecendo, acarretando pesquisas, perseguições e inquéritos sobre esse terceiro ameaçador ao ponto de se tornar uma obsessão.

No ciúme projetivo e delirante, principalmente, há grande risco do sujeito evoluir para a violência, justamente para se defender de sua própria fantasia inconsciente. São os casos infelizmente comuns relatados nas delegacias da mulher e que povoam os noticiários policiais.

“Mais de 88% dos feminicídios do DF têm histórico de ciúme ou perseguição”

“Ciúme excessivo não é amor, diz delegada ao comentar casos de feminicídio”

“Marido que praticou feminicídio por ciúmes é condenado a 18 anos de prisão”

“Morte de jovem em Campo Largo foi motivada por crise de ciúmes”

“Homem mata amigo por ciúmes em São José dos Pinhais, diz delegado; suspeito se apresentou à polícia”

Um exemplo da literatura sobre o ciúme delirante é a obra clássica “Dom Casmurro” de Machado de Assis. Escrita em 1899, o romance conta a história do relacionamento de Bentinho com Capitu, que a partir de um momento do seu casamento passa a suspeitar que Capitu o houvera traído com seu melhor amigo, Escobar. Fica aqui a questão clássica: Capitu traiu Bentinho ou Bentinho desenvolveu um delírio de ciúme? Outro exemplo relacionado à literatura, mas desta vez concreto, trata da morte de Euclides da Cunha que, por ciúme, tenta assassinar Dilermando que, por ser militar, acaba reagindo com mais habilidade durante o entrevero revertendo a agressão. O caso é estudado por juristas talvez até os dias de hoje, com argumentos de “crime de honra” e outras contextualizações que chegam a ser até mesmo temerárias, convenhamos.

Fica, portanto, a lembrança de que este “pecado” é queixa que nos chega com alguma frequência e sobre o qual temos bons relatos de ressignificação com o trabalho analítico.

Um comentário

  1. Juliano Barreto

    Muito bom! 👏👏👏👏👏👏
    Talvez alguns desses crimes fossem evitados se não existisse tanto preconceito com relação a terapia. Se essas pessoas buscassem ajuda quando necessário, a conclusão poderia ser diferente. Afinal, todo mundo precisa de terapia, mesmo que como “manutenção”.

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