Avareza, ganância, cobiça, mesquinhez, sovinice, pão-durice, “ambição”… Tantos sinônimos que nos levam a que neste artigo, por exemplo, se caracterizasse a avareza como a base de muitos outros “pecados” como a mentira, o descaminho, a acumulação e a negligência. No fundo, falamos de acumuladores contumazes que acabam nos fazendo pensar a avareza como o pecado da miséria emocional.
Uma reflexão psicanalítica, por outro lado, nos leva pensar na questão essencial de Ser ou Ter (o falo), ilustrada neste vídeo de Christian Dunker: um pouco sobre a diferença entre estar identificado como alguém que responde à falta, às lacunas fundamentais da existência, com seu próprio ser ou como alguém que possui algo ou que é capaz de prover algo. Ambas saídas precárias e fantasiosas de lidar com a falta e que falam dos modos de se colocar no mundo nos espectros da histeria ou da obsessão, respectivamente.
Mas considerando, particularmente, a obsessão, é oportuno mencionarmos a fixação na chamada fase anal, descrita por Freud logo no início de sua obra. Esta seria a fase do desenvolvimento em que a criança percebe que pode ou precisa controlar suas necessidades fisiológicas. É a fase em que o controle sobre si e sobre o desejo do(s) outro(s) se forma e um modo de satisfação eficaz pode se estabelecer de maneira tão pronunciada que pode vir a dominar a dinâmica de satisfação do sujeito.
A fixação nessa fase pode levar, por exemplo, à intransitividade ou intransigência, pois não há possibilidade de conversão do valor de um bem ou objetos acumulados para outros modos de satisfação alternativos. Em resumo, simbolicamente, as coisas ficam presas com a pessoa que sente que a sua falta fundamental é preenchida não simbólica ou transitoriamente com ideias, projetos, desejos, mas concretamente com coisas físicas acumuladas ou colecionadas – dinheiro, jornais, selos, xícaras, chaveiros, animais, carros … A perda de um objeto é sentida praticamente como perda física – inegociável, portanto. E, como essa satisfação é ilusória e precária, a saída é a acumulação desmedida, na vã, ilusória e inócua esperança de preencher a falta com os tais objetos concretos do mundo. Um dos objetos preferidos para constituir essa coleção é o dinheiro que, no caso dos avarentos, serve apenas como dinheiro, em si, e não para ser trocado, transacionado por outros bens ou benefícios, porque não há desejo, de fato, a ser satisfeito que não o da acumulação defensiva – defensiva porque o que está em jogo é a estabilização da falta que, se não “satisfeita” com a dinâmica da acumulação ou ameaçada com a perda de qualquer (ínfima) parte do montante acumulado, pode surgir como angústia fortemente pronunciada em sua miséria emocional geral.
E aqui invocamos as caricaturas da cultura pop que nos ajudam a dar forma ao tipo avarento: Tio Patinhas (Disney) ou a célebre personagem de novela Nonô Correa, que chegava a trancar a geladeira para “economizar comida” ou controlar tudo e todos a todo momento. Mas também é bom lembrar que o tipo avarento no mundo corporativo é confundido às vezes com o tipo ambicioso na medida em que serve, em geral, aos propósitos empresariais com bastante eficácia. Com o tempo esse perfil revela-se inviável pela sua intransigência e baixa capacidade negocial – essencial para que uma empresa se posicione adequadamente no ambiente de negócios. Ainda, como citado neste artigo, destaque-se que transgressões éticas e morais são perpetradas, não muito supreendentemente, por empresas a bem do objetivo principal, o lucro, em uma lógica essencialmente avarenta (ganância) disfarçada de estratégia.
Mas, mais uma vez, como já comentamos sobre a Soberba, o avarento, em geral, sofre menos do que aqueles com quem ele se relaciona, pois sua conduta é essencialmente defensiva. Ou seja, na busca da manutenção do seu modo de satisfação concede muito pouco e exerce um poder restritivo à sua volta com pouca ou nenhuma empatia. Assumir-se “errado” ou responsável pelo sofrimento dos outros é uma hipótese pouco provável e a sua queixa ocorreria, por exemplo, com a solidão – posto que se tornam pessoas desinteressantes pela monotonia de seus interesses – ou com a perda de pessoas queridas que percebem ser praticamente inviável a convivência. É, portanto, um desejo de ter tão forte e pronunciado que nos leva, ao final, a pensar a avareza como o pecado da miséria emocional mais evidente e pronunciada.
Sensacional! 👏👏👏👏👏👏
Top!! Muito bom Glauco!!! 👏🏻👏🏻👏🏻
Muito bom professor! Neste mundo contemporânea, aonde as relações humanas estão cada vez mais se distanciando da realidade, é um prato cheio para a corrida do ouro de tolo. A busca pela fantasiosa grandeza e apego material e a fuga constante da realidade é o grande mal do século . Durante sua descrição, me veio a cabeça os adictos, que por definição psicanalitica apresentam não só compulsão e impulsividade , assim como uma obsessão desenfreada ( biopsicologica) pela droga , a fim de fugir , mesmo que por alguns minutos da realidade, pois está corrói, machuca. Mas como não conhecer os dois lados ? So existe o preto porque existe o branco., e ssim aprendemos a distinguir ambas as coisas. Porém a busca desemfreada pela ilusão, corrói intrinsecamente o ego, machuca o id, predispondo uma resiliência frágil , derrotista, ruminante.. O avarento nada mais é que um frágil. Aonde me veio a mente o filme de Harry Potter em sua batalha final com o grande e temido mago Valdemort. Mas, o grande mago devido a sua soberba , perde. E em um cena rápida do filme é visto com um recém nascido ao chãode uma estaçãode trem ( mostrando como a vida épassageira), desamparado, frágil e sozinho. Parabéns professor.. desculpe pelos erros de ortografia . Celular é tenso..
Bela reflexão, Glauco!
Excelente análise e condizente com os ensinos de Jesus que desafiou um próspero empresário a abrir mão de sua riqueza e distribuí-la entre os pobres e também disse ser muito difícil um rico entrar no Reino dos Céus. A acumulação, como bem explicada, mecanismo defensivo ilusório, enfraquece o laço social por não prover solidariedade e sim o egoismo e a competição.