Tomamos este filme relativamente recente (2012) para uma reflexão sobre o tema da ansiedade na adolescência, mas acabamos nos surpreendendo com o desenvolvimento da história que nos traz pontos adicionais bastante interessantes. Adiantamos: contém spoiler.
Para contextualizar um pouco: Charlie é um adolescente que inicia o ensino médio em meio a uma crise de angústia relacionada à perda recente do melhor amigo por suicídio. O filme retrata a dinâmica de isolamento em que ele se coloca, apesar do apoio e preocupação dos pais e irmãos. Charlie enfrenta cada dia na escola como um sofrimento, um martírio, e aos poucos vai conseguindo espaço em um grupo de amigos além de desenvolver uma paixão secreta por uma moça em específico, um pouco mais velha do que ele – Sam, interpretada por Emma Watson. Sua ansiedade expressava-se por uma antecipação de reprovação em quase tudo que fazia e, mesmo em situações onde poderia destacar-se ou demonstrar-se capaz, não participava – mantinha-se invisível, portanto.
Fazer parte de um grupo que o acolheu foi promovendo melhoras notáveis em sua autoestima e ele desfrutava de uma posição definida: era um literato, um estudante de algum destaque em algumas disciplinas. Com isso sua disposição melhorava e a dinâmica de isolamento foi sendo atenuada.
Mas o seu núcleo neurótico estava preservado e a pérola do filme nos é revelada na cena em que finalmente há um encontro romântico-erótico com Sam, que representava, de fato, o seu objeto de amor. Nessa posição, ela reativa, inadvertidamente, o seu trauma “real”: a relação com uma tia muito querida que abusava dele quando criança e que acabou morrendo em um acidente de carro. Com isso, uma culpa imensa se produz em Charlie associada à ambivalência que este objeto – a tia – despertara nele. Afinal, por trás da relação de “tia-sobrinho preferido” escondia-se uma abuso odiável e a morte da tia encerrava a realização de um desejo inconciliável e acalentado inconscientemente. A morte do amigo por suicídio atualiza o trauma da perda de uma pessoa querida, aparentemente, mas o toque de Sam nas pernas de Charlie traz à tona o quanto essa posição lhe era conflituosa: desejo e culpa unidos em um mesmo objeto.
Na sequência da história, com a ida de alguns dos amigos para a faculdade, Charlie se sente desamparado e, sem este suporte concreto na forma do reforço de suas qualidades e atributos, há a reincidência de episódios de grande ansiedade e culpa relacionados, agora, à “certeza” de que a morte da tia ocorrera por sua culpa. Charlie é internado em uma clínica psiquiátrica e inicia um trabalho terapêutico que permite a ele reposicionar-se razoavelmente em relação a esse episódio e prosseguir na vida.
Ao final, ficamos até surpresos com uma história que parecia, a princípio, ser mais um filme sobre relações e conflitos adolescentes, o que já seria suficiente para explorarmos o tema da ansiedade, mas eis que nos traz oportunamente um ponto adicional relacionado a um trauma importante da personagem central que nos permite aprofundar um pouco mais a leitura etiológica de sua ansiedade, timidez e isolamento.
Fica o convite para que nos sugiram mais filmes para pensarmos juntos sobre pontos de relação com a psicanálise.