Lendo recentemente um trabalho do amigo Robert Weber sobre os mitos de Prometeu, Dédalo e Fausto, rememorei o mito do Minotauro e acabei fazendo uma série inusitada de associações que me levaram a este texto. Mas iniciemos rememorando a sua história resumida.
Conta, então, o mito que o Minotauro nasceu em função de um desrespeito de seu pai (adotivo) ao deus dos mares, Poseidon. O rei Minos (séx XV a.C.), antes de tornar-se rei de Creta, havia feito um pedido ao deus para que ele se tornasse o rei. Poseidon aceita o pedido, porém pede em troca que Minos sacrificasse, em sua homenagem, um lindo touro branco que sairia do mar. Ao receber o animal, o rei ficou tão impressionado com sua beleza que resolveu sacrificar outro touro em seu lugar, esperando que o deus não percebesse.
Muito bravo com a atitude do rei, Poseidon resolve castigar o mortal. Faz com que a esposa de Minos, Pasífae, se apaixonasse pelo touro. Isso não só aconteceu como também ela acabou ficando grávida do animal a partir de uma relação propiciada por um estratagema insólito: Pasífae pediu a Dédalo que construísse uma estátua de vaca oca, onde se encaixou apropriadamente para a cópula, e esta estátua atraiu a atenção do touro que terminou por cobri-la. Nasceu desta união o Minotauro – chamado Astério por sua mãe. Desesperado e com muito medo, pois desde cedo a criatura meio homem, meio touro, mostrou-se violenta, feroz e antropófoga, Minos solicitou a Dédalo que este construísse um labirinto gigante para prender a criatura. O labirinto foi construído no subsolo do palácio de Minos, na cidade de Cnossos, em Creta.

Após vencer e dominar, numa guerra, os atenienses, que haviam matado Androceu (filho de Minos), o rei de Creta ordenou que fossem enviados todo ano sete rapazes e sete moças de Atenas para serem devorados pelo Minotauro.
Após o terceiro ano de sacrifícios, o herói grego Teseu, herói de muitos feitos, resolve apresentar-se voluntariamente para ir a Creta matar o Minotauro. Ao chegar na ilha, Ariadne (filha do rei Minos) apaixona-se pelo herói grego e resolve ajudá-lo, entregando-lhe um novelo de lã para que Teseu pudesse marcar o caminho na entrada e não se perder no grandioso e perigoso labirinto. Tomando todo cuidado, Teseu escondeu-se entre as paredes do labirinto e atacou o monstro de surpresa. Usou uma espada mágica, que havia ganhado de presente de Ariadne, colocando fim àquela terrível criatura. O herói também ajudou a salvar outros atenienses que ainda estavam vivos dentro do labirinto. Saíram do local seguindo o caminho deixado pelo novelo de lã.

Em uma interpretação muito livre – mais uma sequência de associações, de fato – , pensei no quanto a fábula se aproxima de um conceito primevo de dinâmica inconsciente, pois, vejamos, partimos do fruto de um desejo proibido e até abominável – o Minotauro – que se mostra logo indomável, terrível, absolutamente inconciliável com a vida em sociedade. A solução foi enclausurá-lo (reprimi-lo, recalcá-lo?) em uma estrutura confusa, insondável, perigosa e de onde se entra e não se sai mais. Indo além, o que se encontra lá, enclausurado, longe de ficar inerte, exige o consumo de vidas, exige satisfação continuada, como ocorre com o esforço do recalque, que, longe de apresentar-se como algo estático, seria mais como uma bomba d’água motorizada que mantém um volume de água acima do nível do solo e que deve ser alimentada, energizada continuamente para garantir sua efetividade. Se desligada, a água escorre para a superfície – assim como, se não lhe fossem enviados os jovens atenienses, a besta sairia do labirinto para assolar a população de Creta.
Mais um passo além: a meu ver, o herói que avança pelo labirinto adentro, motivado pelo fato de que se trata de um problema social sério que vidas estejam sendo consumidas por esse conteúdo indomável, guia-se por uma ideia simples, mas genial: o fio de Ariadne. Não poderíamos então pensar em associar Teseu com Sigmund Freud, avançando pelas estruturas inconscientes armado do fio de Ariadne (a técnica psicanalítica) que permite a ele entrar, atuar sobre o recalcado e sair, trazendo consigo, inclusive, conteúdos que se encontravam lá bloqueados pela dinâmica anterior?
Claro que é uma leitura absolutamente enviesada por uma visão romântica e que faz menção a uma concepção, como já disse, bastante primeva do conceito de inconsciente. Mas, capturado pela beleza do mito, não pude deixar de associar as imagens envolvidas como uma forma talvez velada de suscitar como a ideia de inconsciente já rondava e inquietava os sensacionais contadores de histórias gregos.
Fica, portanto, a reflexão: para nos guiar nos nossos labirintos e dar jeito nos nossos minotauros indomáveis, psicanálise.
Adorei! Não conhecia todos esses detalhes do mito e gostei muito do paralelo com o inconsciente
É impressionante como as mitologias tem tanto a ver com a psiquê humana. Muito bom o texto! Você me deu uma ideia. Vou fazer um quadro só de mitologias no meu programa! Forte abraço!