Por que muitos pais desistem do tratamento com crianças?

o sujeito criança

A psicanálise com crianças tem uma longa história, pois desde sua criação com Freud, ela não deixou o sujeito criança de lado. É verdade que ela possui muitas formas de pensar esse sujeito criança, mas de um ponto inicial partimos todos os psicanalistas que a criança é um sujeito desejante e que o discurso psicanalítico se propõe a ouvir esse desejo, pois o discurso e a prática da psicanálise e do psicanalista são contrários à servidão e à normatização dos corpos.

O foco da clínica psicanalítica é o sofrimento psíquico de uma forma geral e, assim, diagnósticos de depressão, ansiedade, psicose não atingem apenas os adultos, eles também fazem parte da infância e por isso somos procurados. A criança sofre sim e muitos pais se perguntam: “por quê?”. A resposta não é simples e dependerá da singularidade de cada caso, mas a nossa experiência vem mostrando o quanto é oportuno ter um psicanalista que escute uma criança em sofrimento.

Mas o que acontece quando os pais tiram precocemente a criança do tratamento? E isso muitas vezes ocorre de forma abrupta, sem aguardar o momento que deve ser pensado e planejado contando com que a criança possa participar desse processo. Entraremos aqui numa seara complexa, mas tentarei de forma clara fazer uma rápida reflexão sobre o tema, sem a intenção de determinar este ou aquele desfecho para o caso, pois estou levantando hipóteses e não fazendo afirmações levianas, afinal todo caso deve ser avaliado no seu contexto. Geralmente a criança é trazida para o tratamento quando ela apresenta alguma queixa ou sintoma e no processo de escuta e investigação podemos localizar seu foco ou origem em algo que seja, de fato, especificamente da criança em relação às suas experiências e vivências; ou podemos localizar o foco ou origem em algo que não vai bem no casal parental. Ou seja, a criança pode ser a expressão de algo que não funciona bem entre seus familiares e como ela não possui ainda meios de falar sobre isso, ela manifesta-se pela via de sintomas, como agressividade, insônia, medos, atrasos na fala, enurese, encoprese, depressão e etc. Quando o sintoma se refere a algo que ocorre inconscientemente como uma neurose familiar, a intervenção do profissional não será apenas com a criança – outros personagens entrarão nessa dinâmica com o intuito de dar um tratamento ao que não vai bem. Todavia, minha experiência clínica demonstra que esses são os casos mais complexos no manejo, exigindo bastante do profissional. Às vezes uma “cutucada em algo” pode soar como uma invasão e uma desorganização desse “algo” que, mesmo não indo bem, está cristalizado no interior daquela dinâmica familiar. É neste ponto que muitos pais desistem do tratamento, por terem revelados pontos “novos” sobre a dinâmica familiar e que exigirão investimento pessoal, reflexão e disposição. Cabe ao psicanalista pensar em estratégias para o manejo dessas relações que devem estar bem amarradas pela transferência com a criança e com os pais.

Para os profissionais que estão lendo esse artigo, fica a dica de leitura:

Texto “Nota sobre a criança” de Jacques Lacan em Outros Escritos.

Livro “Criança: sujeito ou objeto”. Organizadoras: Ana Laura Prates Pacheco e Beatriz Oliveira. Editora Escuta.

Psicanálise: Claudia Leone
Toque sobre a foto para conversar com Cláudia Leone.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *