Mais do que um “pecado”, a preguiça é um fenômeno abrangente que pode derivar de diversas causas e produzir, assim, diversos efeitos. Em sua origem está associada a negligência, desleixo, falta de compromisso – consigo mesmo e com os outros. Seria uma conduta condenável porque Deus é considerado uma entidade trabalhadora e diligente conforme este artigo, que teria criado o universo em 6 dias e descansou no 7º. Por isso, o preguiçoso estaria negando uma espécie de vocação divina ou virtude relacionada à operosidade.
Difícil, portanto, diferenciar um caráter ou índole mais contemplativo, pessoas menos ativas ou menos entusiasmadas. Aqui cabe, então, uma reflexão sobre a posição subjetiva em relação ao caráter mais ou menos “ativo” de uma pessoa. Propomos pensar nesse caráter como uma “desconexão” em relação às demandas do mundo ou como uma falta de entusiasmo. Lembrando que entusiasmo viria de “enthousiasmos” – ter um deus interior ou estar possuído por Deus, segundo este artigo. Portanto, o desinteresse (desconexão) estaria associado a uma falta em relação a Deus – justificando o conceito de “pecado”. Mas não devemos perder de vista que essa caracterização de “pecado” viria da quebra da expectativa de alguém que espera que o outro seja como ele – um espelhamento (narcisismo) – e que, portanto, ser diferente, ser menos ativo, é condenável a ponto de ser um “pecado”. Há também a ideia de uma injustiça inerente a tolerar que alguém menos ativo seja aceito no grupo; alguém que contribui menos, que produz menos – em relação a um padrão ou a um ideal –, enfim.
Essa “desconexão” com a demanda dos outros, ou em relação a si mesmo, pode, de fato, ser uma característica do sujeito ou, por outro lado, ser um transtorno que lhe traz sofrimento na forma de ansiedade ou culpa por não corresponder às expectativas ou, ainda, caracterizar um quadro depressivo.
Lembremos ainda que a condenação moral da preguiça pela Igreja, desde os tempos da Idade Média, recebe reforço com o capitalismo competitivo em que a produtividade do sujeito é posta à prova constantemente e os momentos de menor conexão com os objetivos da empresa são prontamente apontados e a consequência é clara: não há lugar para ritmos particulares, eventualmente mais lentos, nas esteiras da produção e exploração em massa. Vale também mencionar que um aspecto que às vezes pode ser confundido com preguiça seria a procrastinação, ou simplesmente o adiamento, termo mais comum. Note-se que o sujeito procrastinador não está “desconectado” do valor ou importância da tarefa; está, sim, “desconectado” de si mesmo na medida em que não se acha suficientemente seguro para concretizar a tarefa, o que lhe causa ansiedade, apreensão e culpa. Ou seja, enquanto a procrastinação afeta o sujeito, a preguiça parece não afetar, por uma razão ou outra, e aí é que lhe recairia o status de “pecado”.
Ao final, vemos que em torno do fenômeno da preguiça há uma condenação moral, mas difere dos outros “pecados” que vimos analisando por não proporcionar um malefício direto a outrem. Trata-se de uma forma de se colocar no mundo que pode, sim, ser um tanto perversa se o chamado preguiçoso furta-se a atuar ou agir de forma propositalmente lesiva a quem o cerca e aí produz uma forma de exploração da boa-fé alheia, por exemplo. Mas há diversas condutas que podem ser interpretadas como essa incapacidade – como característica ou transtorno – que dificulta ou impede que o sujeito esteja “conectado” com o sentido das demandas que supostamente deveriam interessá-lo. Neste caso o sofrimento, como ansiedade incapacitante ou depressão, ficam muitas vezes disfarçados sob a leniência ou despreparo para perceber que, longe de um “pecado”, há um sofrimento latente, silente e persistente. Fica a torcida para que estes sujeitos consigam colocar uma questão relacionada a essa condição e cheguem a um profissional que os ajude a conectar novas palavras a suas histórias.
Cara, que artigo sensacional.
hoje, enquanto refletia sobre a vida cheguei a conclusão que minha procrastinação/preguiça puderia se tratar de algum transtorno psicológico ou psiquiátrico.
minha primeira pesquisa no Google sobre o assunto e encontrei essa página com todas essas informações. isso claramente precisaria estar sendo mais amplamente debatido.
obrigado pela contribuição. nota 10.