Vamos analisar, neste artigo, o sentimento de inferioridade relacionado à inveja, levando à agressividade e à depressão. Esse “pecado” nos fez pensar bastante em como é fácil confundir o seu efeito com um outro sentimento muito comum, mas bem menos deletério: a cobiça. Segundo este artigo, a cobiça seria um desejo ou ambição relativamente saudável de possuir também o que outra pessoa possui. Seria, portanto, a tradução no concreto de uma demanda referenciada em outra pessoa, sem que essa pessoa seja, de forma alguma, envolvida nessa demanda. Algo como: “Que bom ter pego carona com Fulano porque percebi que seu carro é realmente muito bom. Gostei do carro e acho que vou procurar comprar um igual.”
O invejoso, tendo pego carona no notável carro de Fulano, pensaria, bastante incomodado, algo como: “Acho que Fulano nem merece ter esse carro”; ou “Como é que ele tem um carro desses e eu, não?”; ou chegaria a imaginar um acidente envolvendo o carro (e Fulano) e, em casos extremos, poderia até fantasiar a autoria de um acidente que viesse a privar o Fulano do carro invejado. Ou pior…
A inveja, ou invídia (do latim: o que não pode ser visto, o que é insuportável de ser visto), está associada a uma fase muito primária do desenvolvimento, o narcisismo primário, em que as referências imaginárias básicas do sujeito estão se estabelecendo e algo como uma lacuna nessa fase se pronuncia e compromete a futura autorreferência do sujeito. Há uma constante “atenção ao outro”, uma exo-referência. Preocupa o sujeito o que o outro tem ou “é” – no sentido de ter um reconhecimento. Não ter determinado bem, objeto ou título é percebido como determinante de uma inferioridade angustiante, que pede uma ação reparatória ou vingativa a fim de equilibrar ou reparar o que o invejoso crê ser uma grande injustiça. Foi o caso de Iago em relação a Otelo (Shakespeare), que, sentindo-se injustiçado, trama para que Otelo assassine Desdêmona, sua esposa bem amada, pela via de uma intriga de ciúme.
Ou seja, para o invejoso, aquilo que lhe parece relevante – o que no mundo concreto lhe sinaliza sua inferioridade – só tem existência possível se lhe pertencer. Se não lhe pertence, não pode existir ou não pode pertencer a outrem, na medida em que conferirá a esse outrem a condição de superioridade que lhe angustia. Destaco esta passagem pinçada de um outro artigo que nos auxilia a pensar sobre a inveja:
“Uma fada aparece a um invejoso e diz que pode conceder a ele tudo o que quiser, com a condição de que seu vizinho ganharia o dobro do que o invejoso desejasse. Ao saber disso, o homem pede à fada que lhe arranque um olho.” (Melanie Klein – 1974)
Mas, considerando o quanto de imaginário há na inveja e que fez parte de uma fase do desenvolvimento, temos que ressaltar que é um sentimento que nos acompanha a todos, em maior ou menor grau, e se torna um “pecado” quando inviabiliza as relações entre as pessoas na medida em que o invejoso, sentindo-se desproporcionalmente injustiçado, estabelece seus próprios critérios morais e de conduta na busca da já mencionada reparação. Esse sentimento de injustiça está associado a frustração, impotência, tristeza e decepção que redundam em quadros depressivos ou de agressividade difusa, pois, afinal, a culpa de eu não ter isso ou aquilo é do outro, que mereceria ser punido por perpetrar tal injustiça.
Assim como os outros pecados que já analisamos nesta série de artigos, vemos o quanto é difícil para o invejoso assumir responsabilidade por seu sofrimento, pois, como já mencionamos, há uma espécie de exo-referência – a culpa é do outro, do mundo, da vida. Com isso, justifica sua conduta, seu sofrimento e até mesmo o sofrimento que venha a causar a outrem. Daí o seu caráter de “pecado” capital.
Reflexões que valem mais que ouro, de cunho social científico e sensível ainda, palavras mais que necessárias hoje, extremamente relevantes e que a gente de fato não vê na tevê! Muito bom trabalho, meus parabéns! E obrigado pela partilha!
Interessante!!
Me ocorre, meu recorrente lamento, sobre este inexorável mal estar na civilização. Não fosse seu rigor impositivo, poderíamos todos, suportar melhor a inveja no espelho!
Caro Glauco, estou gostando muito desta série! Abraços!
Sensacional!!! Na minha humilde opinião este foi o melhor dos melhores até agora! 👏👏👏👏👏👏