O tema e a relação entre depressão e fármacos sempre é atual e frequente. Afinal, não é raro falar-se sobre depressão e já ouvirmos que esta ou aquela pessoa está tomando um ou outro remédio – daqueles famosos e que podem ser referenciados facilmente em diversos sites da internet como este, por exemplo.
Por outro lado, sempre nos ronda a reflexão sobre um dos textos mais importantes da psicanálise – Luto e Melancolia (Obras Completas – Vol XIV) – onde Freud estabelece uma série de conceitos importantíssimos e básicos para a psicanálise dentre os quais vale ressaltar, inclusive, a diferença básica entre estes termos:
Luto – a pessoa sofre por uma perda específica, por algum tempo. Se este tempo for longo demais, pode incapacitar a pessoa para vida.
Melancolia – a pessoa sofre inespecificamente, sofre por tudo e por nada. É como um caráter, uma forma de funcionamento que difere do luto por não guardar pontos de associação muito claros e resultar em algo como um estado de desânimo intenso e constante para a vida.
Como o desânimo, a tristeza e a inibição, entre diversos outros sintomas, são parecidos entre estes dois estados, uma visão médica pode encaminhar para o tratamento indistinto dos sintomas aparentes. E destacamos: dos sintomas…
Não podemos nos furtar aqui a colocar em jogo dois outros conceitos: inconsciente e afeto. A dinâmica do inconsciente – do desconhecido, do recalcado – mobiliza o psiquismo em torno de representações cruciais para o sujeito, mas que eventualmente não estão simbolizadas para o seu ego, e então essa energia se dissipa pela via do afeto, que impressiona o corpo com o que se pode chamar popularmente de emoções.

Pois então, o que fazem os fármacos? Ajudam, sim, a atenuar as emoções através de uma série de interações bioquímicas em que neurotransmissores e hormônios são “ajeitados” e o sujeito fica mais estável. Mas, convenhamos, o móvel das emoções, o que ficou não simbolizado e representa o núcleo da questão não foi modificado. Mais do que isso, fica relegado a um silêncio amordaçado.
O que queremos denotar, portanto, é que o luto prolongado e a melancolia têm a mesma importância patológica para o psiquismo do que pilares rachados e partidos teriam para um edifício ( ! ). O sujeito (e o edifício) tem sua estrutura próxima à de um colapso, mas cobrem-se as rachaduras e imperfeições com a massa corrida dos fármacos. O sujeito (e o edifício) fica(m) mais apresentável(eis) à sociedade, realmente, mas não há como negar a precariedade de sua(s) estrutura(s).
O assunto é amplo, polêmico muitas vezes, e uma vasta literatura foi produzida e pode ser consultada. Um livro muito interessante é o de Andrew Solomon – O Demônio do Meio Dia (Uma anatomia da depressão) em que o autor, em primeira pessoa, aprofunda-se em sua própria depressão e procura contextualizá-la em diversas formas de abordagem. Mas, para quem considerar o texto de Luto e Melancolia, não se pode deixar de detectar o caráter melancólico do autor sendo sustentado. Sustentado? Eis aqui o ponto de inflexão da psicanálise: não se pode perder de vista que o sujeito melancólico, por mais estranho e ilógico que possa parecer, mantém ativo, ainda que não intencionalmente, um modo de existir melancólico. E escapar desta armadilha que a estrutura do seu inconsciente armou para este sujeito é um dos grandes desafios para o qual a psicanálise se apresenta como uma alternativa bastante apropriada, na medida em que, da aplicação do seu método, deverá advir uma ressignificação do próprio sujeito.
Não esquecendo: assim como a intervenção em um edifício com pilares abalados é custosa, demorada e modifica-o substancialmente, o mesmo deve-se esperar que ocorra ao sujeito de um processo analítico.
Texto publicado originalmente no Blog Sigmundo em maio de 2014.